terça-feira, 23 de fevereiro de 2016

O dia que deixei de ser trouxa

Lembro claramente o dia que resolvi deixar de atuar no papel de trouxa. Era dia 08/12/2013 por volta das 04:35 da madrugada. Ao fundo a trilha sonora era qualquer musica brega/de corno que não lembro exatamente. Até aquele momento estava interpretando o papel a quase um ano, e ainda não tinha percebido. Todos me olhavam com aquele olhar de "pobrezinha, tão trouxa a coitada" mas ninguém teve a boa vontade de me convidar a me retirar da peça.
Era incrível o espetáculo de forma geral (no sentido 'difícil de acreditar'), um show de horrores envolvendo muita hipocrisia, incontáveis mentiras, pessoas tratando seus desejos com impulsos mais fortes que os vistos entre animais selvagens, nenhum bom senso e nenhuma compaixão. Era uma carnificina canibalística velada, onde era permitido uns comerem aos outros sem nada mais importar e quase sem autorização.
Naquele fatídico dia resolvi sair de cena, ficar nos bastidores só observando; por alguns meses deixei de aparecer nos espetáculos da vida real, deixei vários outros artistas do dia a dia surpresos e se perguntando por onde eu andava.
" Ela faz falta, me sentia menos trouxa com ela por perto" comentavam entre eles enquanto eu tentava me encaixar em outras cenas, outros papéis.
Voltei ao show business como roteirista, qualquer coisa é melhor do que viver na pele da trouxa. Hoje eu apenas escrevo, interpreta quem quer, quem não quer se retire e procure a concorrência. Não tolero selvageria no meu texto, nem faço a maldade de presentear quem não me acrescenta em nada com o papel de trouxa. E assim se vão os anos, tentando deixar pra trás esse horrorshow que participei por algum tempo sem ao menos ter a chance de entender direito o que estava acontecendo.

Alice F.

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